sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Um Dom Quixote por um Home Theater, quem topa?

      A propaganda do cinema em casa me parece uma coisa altamente sedutora. Imagens em alta definição, som digital e conforto pleno. Eu sei que é tolice, porém sempre tenho aquela sensação de que o proprietário de um home theater é alguém, por essência, feliz. A comodidade de quem, em casa, está alheio aos conflitos do mundo é um alento fascinante, mas o bendito intervalo entre o que sentimos e o que é real é um problema e persiste. Eu até gostaria, mas não dá para esquecer a minha condição de aventureira ficcional. Até a Bíblia registra: é próprio da condição humana o afeto pela criação. Demiurgos frustrados, desejamos o infinito, embora apenas consigamos nos debruçar em uma janelinha do factual. 
   Não sou cinéfila, confesso, mas a ideia do cinema tem me cativado por esses dias. Sabe quando você pensa que um determinado acontecimento é tão cru(el) que parece mentira? Quando você fica imaginando roteiro e trilha sonora para as indecências da vida.
É assim que eu vejo:
Uma moça, 21 anos.
Um moço, 20 anos.
Uma filha, 04 anos.
Uma outra moça, a loira, idade despercebida.
Uma relação a três sem o consentimento mútuo.
A mãe dele conta.
A moça conhece e resolve empregar o que chama de amor-próprio.
Ele se zanga e zanga com ela.
Ela não tinha o direito de exercer o pecado do próprio amor.
Os bens, a partilha.
Ela, a filha.
Ele, a passagem para São Paulo.
No meio do caminho, um home theater, um celular e um passarinho trocados por uma casa. Ele.
No meio do caminho, uma criança corta o pé no quintal e chora a noite, velando madrugadas de ausências. Ela.
É assim que eu vejo.
     Uma bela história, não? Um bom produto comercial, talvez sucesso de público e de crítica. E se eu acrescento que ela é doméstica e ele tem como profissão a condição de marido de doméstica? E se eu acrescento que ele tinha um home theater mas ela não tinha geladeira? E se eu acescento : eles eram casados.
     O que há de ficcional nisso aí? Na condição de quase sã, consumidora de prozac e afins, venho colecionando repertórios de belas e dolorosas histórias de gente. Gente rica, pobre, asceta, frívola, gorda, magra, religiosa, ateia, tudo junto, porque não há graça se não há contradições. Eu não sei o que significa não ter água gelada em casa. (Ora, estamos no inverno e eu nem bebo água gelada!). Também não sei o que significa ter home theater (Ah, nem televisão eu tenho, quanto mais caixinhas de som pelos cômodos da casa, ideia mais fútil!).
      Final de romance é sempre chato, mas não quero fazer aqui a autópsia dessa relação-roteiro de cinema da moça de 21 com o moço de 20.  Quando senti essa história-estória fiquei lembrando muito de Elis cravando verdades com "As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira na paixão" ("As aparências enganam, composição lindíssima de Tunai e Sérgio Natureza, veja aqui http://www.youtube.com/watch?v=51JSEEoia-Y ). Fiquei pensando nisso, como somos igualmente atraídos pelo que amamos e pelo que odiamos. A essa altura, você já deve, inclusive, ter lembrado daquele ditado popular, comum entre os presumíveis namoricos: "Quem desdenha, quer comprar".
      É isso. Narrar esses moços (pobres moços, se eles soubessem...) fez com que eu me confrontasse com os meus "ódios de estimação" (Roubei de Heloísa Prieto, lindíssima falando sobre Dom Quixote, aqui:  http://www.youtube.com/watch?v=rEdbKEHCvAI)  . Sou mais eu com minhas Dulcineias do que eu sem sentir. Risos. E eu sinto pra caralho, velho! Muitas vezes transito entre a letargia e a letargia, mas quase sempre eu estou é pulsando, on the road na veia ou o velho "ouça no volume máximo" dos discos da Legião. Esses dias, por exemplo, eu passava pela praça do esse, em Itabuna, e avistei um grupo de pós-adolescentes cantando "É só você que tem a cura de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi".
     A gargalhada íntima foi imediata. É sempre engraçado quando temos a oportunidade de nos revisitarmos após 15 anos ou 15 dias ou 15 minutos. E este versinho da Legião, eu particularmente a-d-o-r-o, justamente porque brinca com a dualidade passado-futuro, uma quase obsessão em minha dulce vita. Garçom, um Déjà vu embalado pra viagem, please:
      Ela estava com insônia. Poderia pensar em milhões de coisas, mas o amor é sempre uma opção rentável, afinal as pessas compram revistas de simpatias "amorosas"; consomem novelas, livros e filmes "de amor"; curtem e compartilham textos "sobre o amor" no face...enfim..amor dá dinheiro. Foi por isso - e não por gostar pra caramba daquele cara - que ela pensou em sua "vida amorosa" e daí chegou à conclusão masoquista: no quesito "amor", sua vida se resumia a repertórios de saudade. Assim, no plural, bem brega mesmo. Tudo o que lembrava era pretérito. As viagens. O almoço. O abraço. O sorriso. Tudo pretérito mais-do-que-Imperfeito. E, infelizmente, esta fala não era do seu eu-lírico. Enfim, é adolescente e é brega dizer essas coisas, mas, se ela fosse uma moça inteligente entenderia que isso significaria o término.     
       Mooooço, passa a conta e fecha a régua, que eu acho é graça de tanto amor. E tenho é ódio, lógico. Queria cinema. Queria histórias de amor que durassem mais do que 90 minutos. Queria fogos de artifício, príncipe encantado no cavalo branco, daminhas de bochecha rosada e tudo mais. E outra: em minha casa. Queria em minha casa o romance que aprendi como se fosse meu. E aí, senhoras e senhores, fudeu, né? Não existe. Não existe este romance de cinema porque, na vida real, eu tenho que aceitar a expulsão do Éden e me conformar com os clichês: a criança ainda lamenta o talho no pé, é noite e não há mercúrio-cromo a não ser o tempo.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário