sábado, 12 de maio de 2012

A mulher perfeita.

"Você a conhece. Certamente ela já cruzou o seu caminho ou o de algum amigo seu. Tudo nela é tão milimetricamente calculado que até o descuido tem a sua razão de ser. Ela tem casa própria,nível superior, independência financeira e até gosta de futebol!! A mulher perfeita não precisa do homem. Ela é o próprio homem." Este trecho apareceu, assim,"do nada" em minhas memórias afetivas e cognitivas...Não sei vocês, mas eu, particularmente, considero meus heterônimos todas as diversas maneiras de perceber e me posicionar sobre os fatos do mundo. E, principalmente, as diversas maneiras de me mostrar ao mundo. Cada um escolhe sua couraça e vai pro embate/abate cotidiano. A psicóloga me disse que era preciso tê-las. Eu sei. Eu reconheço essa necessidade. Mas, porém, todavia, contudo...como separar essas máscaras? Como discernir o que em mim é ficção e o que é realidade? O "tale" do real é inapreensível. Uma coisa é reclamar da vida; outra, bem diferente, é reclamar de viver. Quantas vidas eu tenho? Numa abordagem nada espiritualista, quantas vezes eu consigo me forjar de outros e outras? Cadê a tal da física quântica para explicar essa chaga perene? Vivo cavando densidades na alma. Vivo explicando a mim que a doçura é imbricada ao amargor, mas os questionamentos não cansam de arrendar meus espaços.Poxa, Fernando Pessoa,porque metafísica há de ser o meu sobrenome? Por que lembro disso? Ando tomada de ficção esses dias. Pensando, pra variar, em mil personagens estranhos a mim e em minha vida com mil larissas. Sabe Funes, o memorioso? Pretensão das maiores querer me igualar, mas é marromeno assim. Convoco Borges para me defender. Lembro-me dos fragmentos de sentidos/sentimentos que controem o meu percurso. Tanto os reais quanto os...ah...vou resistir ao maniqueísmo de discernir o que é real e o que é imaginado. O Grande Outro, Lacan? Flexiona aí, análise sintática em pauta... Análise semântica em pauta... Quais sujeitos me habitam? De quantos eu-líricos eu possso dispor? E...vamos esculhambar logo o negócio: quais machos e quais fêmeas me habitam?
(os bares tem uma forma interessante para distinguir os homens das mulheres...) Um exemplo:eu tinha 14 anos. Feira Cultural da Escola, festa de encerramento.Cidadezinha nada bucólica do interior. Auditório lotado. Tímida até a alma, me posiciono estrategicamente no canto, lugar perfeito para poder ver o mundo sem ser vista. Após as apresentações, um garoto tímido até a alma - perdoem-me os românticos, mas não lembro o nome dele... - sobe ao palco e, por trás das cortinas, pega o microfone e dana a falar milhões de coisas loucas, como "eu sempre fui apaixonado por ela"; "uma menina linda" e sei mais lá o que de loucuras a la novela do sbt... Tudo bem que eu estava surtada nesse dia,havia saído de casa toda trabalhada na moda periguete...com blusa justa, short de "um palmo", meião até o joelho e..srsrsr..salto alto...Senhor Deus, pena que a máquina digital ainda não havia sendo inventada nesses primórdios ipiauenses!! Enfim...a declaração de amor era realmente para mim e o mancebo garboso estava naquele exato momento descendo do palco, atravessando toooodo o auditório e...merda..vindo em minha direção. Sim, a cena foi bem "mar vermelho": o menino avançava (será que havia pedras em sus pés? Eu nunca vi três minutos tão com cara de uma hora!) e as pessoas iam lhe dando passagem, ao mesmo tempo em que gritavam "beija, beija, beija!". Evidentemente que, a essa altura, meu rosto já havia experimentado todas as cores do arcoíris e eu ainda não sabia o que fazer. Além de pensar que aquele menino era louco, eu me convencia e me justificava: "Nunca olhei para ele e vice-versa!!!!!". Não adiantou. Ele realmente havia chegado até mim. Risos. Os ecos daquelas palmas e "beija!" ainda ecoam em meu disco rígido, mas a pessoa aqui teve a reação mais infantil que se poderia ter: dei um belo de um empurrão no moço e saí correndo do auditório, para, logo depois, aproveitar a baixa dos holofotes e pirulitar da escola. Um acontecimento, sem dúvida. Demorei um tempo para digerir a vergonha e a resenha dos colegas e professores. O menino, naturalmente, se nunca havia falado comigo, desse dia em diante, passou a me ignorar. Eu acho que depois de alguns anos ainda tive a cara-de-pau de pedir desculpas a ele, mas, definitivamente, naquele dia enterrei todas as chances de encarnar a linda donzela e de ter um príncipe encantado nessa vida... Volto à questão inicial: me habitam homem e mulheres. Mulheres como a mãe negra de 30 anos, que aparenta 50 e, de cabelos escovados, cata a beleza na porta da USEMI numa sexta-feira à tarde, empunhando como distintivo a flor de crepom que outrora recebera. Mulheres como a adolescente de short curto que vende lotomania na avenida princesa isabel com um sorriso tão artificial quanto o silicone que ela deseja colocar para, em futuro não tão distante, ser clone da Valesca Popozuda. Mulheres como aquela de idade indefinida, com reflexos no cabelo e navalhas na alma, pilotando o carro com ar-condicionado e air-bag.Eterno flutuar. Mulheres como a professora de 50 anos (quase 70), cavando a sua seputura nas visitas à DIREC,feliz por ter descoberto a promoção da Natura, rindo alto ao mesmo tempo em que, desajeitadamente, escolhe e coloca na bandeja todas as suas minúsculas aflições. Homens como o de 30 anos, representante comercial, vestido de tantas indefinições quanto os argumentos com que vende sua alma, tomando a cerveja do entardecer naquele posto de ponto de estrada. Homens como o moleque de 06 anos, sem nome e sem play-station, sem vestibular ou dia das mães, com um olhar que expressa 25 anos (jura que ele só tem 06?), destilando seu ódio em estado puro e concentrado, cônscio de seu papel no mundo:matar ou morrer. Homens como aquele da bicicleta,que tanto pode ter 20, quanto 50 anos, interessado no recorte triangular que o short de malhação desenha entre as pernas da menina. Homem feliz por ser viril. Homens como o playboy aquém.. O senhor de si das festas, o recanteado, que tem por ofício encarcerar olhares e suspiros alheios. Homens como o jovem suburbano. Cantor de rap ou sertanejo light ou arrocha. Quase sempr enegro, quase sempre corpo. Unicamente. Homens como o pai de família. 50 e lá vai fumaça. Não retalha, não rompe, não instaura caos algum. Seu últim moviemnto raivoso foi desejar as nádegas da "secretária do lar" menor de idade. Nunca leu Hegel, mas sabe bem conduzir a manada familiar. Chega de tantos homens. Chega de tantas mulheres. O que eu sinto é isso: que el@s me habitam por usucapião e já nem sei que máscara prefiro. Talvez a do senhor, talvez a da senhora. Me tranvisto de tant@s e fico meio atordoada. Todo dia. Sabe quando você não se contenta com o "ou"? Sabe quando você sabe que não deve blefar, que o jogo já está perdido, mas a necessidade de experimentar (sem temer naufragar, como diria Adriana Calcanhoto)...essa necessidade é mais forte em mim. É por isso que escolher as máscaras sociais mais adequadas me dói. É por isso que eu não tenho paciência para saber se é autoajuda ou auto-ajuda. É por isso que..merda...eu não sei o que fazer quando me visitam, simultaneamente, os fantasmas de Paulo Coelho e Hilda Hist.Como eu sou usuária da droga da felicidade, fica tudo massa. Panicat careca sendo notícia;Cachoeira em Brasília;lixão itabunense no Fantástico. Tô nem aí e nem tô chegando. Mas,tem horas em que a condição de desapercebimento me é impossível. Aí num tem Costa Lima, num tem maturidade, num tem prozac, num tem porra nenhuma. Nessas horas a pergunta inevitável é: se, no frigir dos ovos,é preciso sempre fingir, como você escolhe sobreviver? Em tempos de fogo, ser água. Em tempos de seca, ser chuva. Em tempos de ódio, ser amor. Em tempos de medo, ser coragem. Valei-me Marx, Francisco de Assis e Fagner. Valei-me que nesses dias de dores múltiplas, meu desejo é apenas não ter tanto trabalho com as contradições. Não ter que escolher entre o simplismo de ser a donzela que lê Paulo Coelho ou a puta que lê Hilda Hist. Não quero tergiversar, Dilma! Não quero ser mulher-macho à medida que me aproximo de ideais dito masculino como fazer ousadia na primeira noite ou raspar o cabelo. O lance acaba sendo sexo. Sexo ou sexista? Ah...essa é uma longa história das minhas (nossas?) dobras identitárias.Meu desejo, minha pulsão primeira é essa: conseguir esquadrinhar estes recantos íntimos chamados emoções e ter consciência de que, no jogo dos paladares que me toma a cada vez que saio à rua - é um experimento de vidas intenso -sou mais feliz se sou menos múltipla escolha e mais somatória...É mais inteligente, creio, aprender que a vida é acúmulo e não exclusão.Enfim.
(toda mulher é meio leila diniz?)