segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Uma maçã para o professor.






Seguinte é esse: eu sou professora, né? Hoje recebi uma porrada de mensagens (GRATA A TOD@S!). Carinho de tudo quanto é lado. É massa. Ainda que afastada da sala de aula, o ego fica massageado quando uma criaturinha recente ou de outros carnavais se lembra de você.
Sobre ser professora, um caos em minha cabeça. Não quero mais, embora saiba das saudades e dos méritos que esta profissão me tatuou. Eu fui ser professora porque gostava de ler. E, em sala, sempre gostei de pensar que havia um horizonte beeem além daquele quadro branco ou negro. Porque o conteúdo mais importante NÃO É o do livro.
Eu acredito nessa utopia de relações humanas mais justas; de conhecimento partilhado; de empoderamento das classes populares; de intervenção social. Para que serve um aluno sem luz? São estudantes os que tive ao meu lado, me chateando, me entediando, me descontrolando e, acima de tudo, em um misto legítimo de paixão e indiferença,  me desafiando a entender que nem toda gente é igual.
Estes meninos e meninas que estudaram comigo me mostraram de duzentas mil formas o que é a diversidade política-cultural-religiosa-sexual e, além disso, qual o papel da educação formal nesse troço que chamamos sociedade.
Eu não acredito nessa escola que ou adestra meninos para o ENEM ou mantém meninos recebendo a bolsa-família. Escola tinha que ser sinônimo de pesquisa, tinha que permitir o acesso ao conhecimento sistematizado e tinha que produzir conhecimento.
Não é possível que esses garot@s saibam tanto de sexo, internet, política, música, preconceito, futebol, sentimentos e que não consigam transformar isso tudo em uma reflexão/ intervenção sobre as opções do mercado de trabalho, a desigualdade social e racial brasileira ou os prejuízos econômicos e ambientais do sistema capitalista, por exemplo.  
Lendo agora fica parecendo que quero formar militantes esquerdistas. Mentira. Não quero formar ninguém e "esquerda partidária" eu já nem sei o que significa. Quero informar, isso sim. E quero ser informada também. Saber quem são estes seres que ora brilham de entusiasmo, ora afiam lâminas de descaso. É. É isso. E isso vale tanto para os estudantes quanto para os professores, afinal, estou falando é de criaturas que não seguem o script do nascer, crescer, reproduzir-se (ou não!) e morrer. Gente cria, né? Além de crer, inventa. É por isso que ainda estou (estamos?) aqui: caçando outras formas de estudar – pesquisar, aprender, ler, discutir, odiar, amar – a vida.
Às minhas colegas e “colegos” de profissão, um salve.
Aos dirigentes governamentais, uma banana.
Aos estudantes (morro dizendo isso, a-luno é sem luz!!!), um vínculo.
À sociedade, please, presta mais atenção na escola, seja ela particular ou pública. Poucos professores e poucos estudantes querem estar lá de verdade.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

E que gosto têm os sentimentos?

   


Tem gente que funciona pelo cheiro. São aqueles que  impregnam de fragâncias o cotidiano: "Poxa, Lapidus me lembra tanto minha irmã!"; "Ah, a dama-da-noite é a cara de minha mãe!"; "Este cheiro de maconha...hum...tem vagabundo por aqui." Para outros, a senha é a visão. Lugares, pessoas e cores são facilmente codificados. "Rapaz, não posso ver Fulano sem lembrar de Beltrano!"; "Olhe, qunado vejo o mar, só lembro daquele dia, da gente."; "Vixe, nem quero ver este vestido. Só me lembra aquele tempo."Há os que precisam tocar. São os que cresceram, mas continuam dizendo "Deixa eu ver!" ao mesmo tempo em que estendem as mãos em direção ao objeto do desejo. Basta sentir a aspereza do velcro para recordar daquele incidente da sexta série, na frente de todos os colegas, naquela sala ginasial.
   Eu me seduzo pelo ouvido (e qual mulher estaria imune a este canal de paixões?). Minha premissa é esta: fica mais fácil viver se me visto de trilhas sonoras. Por exemplo:"Bom dia, sua senha e RG, por favor."; "Você chegou atrasada, estava marcada para 09:40 e chegou 09:48."; "Vocês tem que entender que o INSS faz tudo baseado em leis. O resultado não sai da cabeça do médico, é a lei que diz o que deve ser feito." Quando ouço estes comandos na perícia médica, não dá outra, a lembrança é de Música Urbana, da Legião: "Entendo seu problema, mas não posso resolver. É contra o regulamento, está bem aqui, pode ver.". Por outro lado, não tem como ouvir Pé com pé", do grupo Palavra Cantada sem lembrar de minha sobrinha Laura e de minha amiga Olívia, duas plenas crianças.
     Falta o paladar, né? Como são as pessoas que degustam a vida? Bem, sempre acreditei que a minha memória afetiva fosse essencialmente musical, mas venho sendo visitada por algumas insistentes metáforas culinárias. "Geleia de uva tem gosto daquele abraço fraterno em um fim de tarde grapiúna."; "Molho de pimenta tem gosto dos almoços de domingo, na casa de tia Maria.". "Vinho? Ai... vinho tem gosto de comunhão lenta, bem cuidada, seja com Cristo, seja com outrem."; "Chocolate tem gosto daqueles domingos com serotonina inexisente." e assim por diante.
    Essa queda pelos sabores tem me surpreendido porque sempre fui de publicar o meu distanciamento culinário. Na verdade, eu tenho pavor de cozinha, sempre acho que as minhas experiências estão aquém do sabor ideal, afinal, já fiz bolo de chocolate com pó de guaraná pensando que era Nescau, enfim...toooodo um alheamento. Receio a cozinha como receio a dança. Ambas as atividades exigem um posicionamento corporal. Acho que daí advém o meu medo. Não é fácil compreender e vivenciar esta interligação mente-corpo. Platão deixou marcas e eu temo responder: que sabor tem as atuais experiências vivenciadas no período prozac? Recentemente a renovação da minha licença médica foi novamente negada e, embora o psiquiatra, a psicóloga, o médico do trabalho e o psicólogo do CEREST digam o contrário, de acordo com o julgamento das regras previdenciárias, já estou apta ao trabalho docente.
    Ok.  É muito difícil se ver confrontada com um negócio tão particular como a sua saúde mental. A perícia médica do INSS tem um clima intimidador. Sabe o medo de você estar mentindo para si mesmo? Eu confesso: tive que fazer um esforço para entender que ali, orientando aquela decisão, estava A Lei. Dura lex, sed lex, né? Tentava me convencer disso quando a doutora resolveu sair do script e me perguntou: "Mas, se há tantos problemas em ser professora,  por que você escolheu essa profissão?" Puta-que-pariu. Me perdoem a falta de compostura linguística, mas...foi um processo. Me diga, como responder a esta pergunta sem parecer insana? Porque é isso. Para ser gente hoje é preciso ser iron woman. É foda entender que sua sensibilidade está sendo compreendida como fragilidade ou desequilíbrio. Aliás, não é foda. Não me dá prazer nenhum verificar isso.
     Acho que a doutora não se deu conta, mas a sua pergunta foi certinho na minha ferida."Aquele gosto amargo ficou na minha boca por mais tempo e (...) fez casa nos meus braços". É, Renato Russo sabia das coisas Afinal, qual o problema em ser professora, Larissa? Bem, primeiro preciso dizer que, quando criança, eu não queria ser professora. Queria algo bem mirabolante, como ser cientista ou astronauta. Depois, na adolescência, queria ser jornalista. O fato é que é o meu desejo era trabalhar com informação e conhecimento, pois sempre gostei de ler e de refletir sobre o mundo.  Quando fui fazer o vestibular, "soube" que precisava fazer um curso noturno e que me garantisse emprego imediato. Conjugando estes critérios com o gosto pela leitura, acabei optando por Letras. Não quero posar aqui de "A ressentida do Jaçanã".  Sabe aquele povo mal-amado que usa a internet (face, blogs e afins) para dizer como o mundo é feio, triste e injusto? Às vezes eu sou assim, mas quase sempre busco coletivizar as queixas, afinal não quero ser a "pobre-mulher-que-não-cresceu-e-é-incompreendida. Enfim, não sou Paulo Coelho nem aqui na China, reconheço as complexidades, Joyce em um tuíte, jamé!
     Larissa-professora. R.I.P.? Não. Eu ainda sou professora. Esta noite, como em muitas outras, sonhei com a sala de aula, com a rotina do ensino-aprendizagem, com o riso e com o choro. E na minha boca o gosto está instável. Estou sem salário do município há dois meses, porque o INSS me mandou de volta e eu não me mandei. A prefeitura não pode me conceder desvio de função porque o médico do trabalho diz que estou inapta. Enfim. Como é não ter salário? Depois de tanto tempo sendo funcionária-padrão, eu já não sabia quão desconcertante é não poder participar das farras coletivas ou não poder pagar um curso de balé para a sobrinha ou não poder pagar o condomínio e etc e etc. Tenho andado muito. Tanto pra vender cocada, quanto pra economizar o dinheiro do coletivo. Tem dias em que desejo uma revista, um sorvete, coisas simples assim e me vejo visitada por "um beijo travoso de umbu cajá", meu amigo Alceu.
     E o que dinheiro tem a ver com sabor? É possível comprar o gosto dos sentimentos? Eu sou professora. Ainda. Mas quero estar na fase de transição, sabe? Vendo cocada e nem sei cozinhar, mas vejo e admiro minha mãe misturando tudo quanto é sentido diante do caldeirão de doce. Não sei se vou sair dessa realizando peripécias culinárias. Mas sei que quero sair dessa. Gengibre e cacau com pimenta são meus sabores prediletos.Ardidos. Marcantes. Eu gosto. Ficar sem salário, me preparar para deixar de ser professora. Sai rasgando. Medo deve ter sabor de jiló amargo. Mas felicidade, essa coisa tão abstrata quanto necessária, deve ter gosto de queijo macio. Eu não quero ser adolescente e acreditar no "pra sempre" mas eu quero ser uma profissional que acredita no que faz. Mesmo que seja só no momento presente. Mesmo que depois eu tenha que voltar atrás e dizer: "Aiiiiiiii, como viver sem a escola?". Mesmo assim. Eu quero tentar. Esperança, eu sei. Tem gosto de pêtit gateau. O bichinho é caro, nem todo mundo sabe fazer gostoso, mas, quando bem preparado, te dá um prazer sem nome. Eu quero isso. O sabor de uma vida com pazeres e dores ainda virgens. Vou, assim, batizando-os enquanto me batizo e aprendo. Um dia, a cozinhar. O outro, a dançar. Quem sabe hoje?


 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Depressão é para os fracos.

"Ôxe, menina, deixa de tomar esse remédio, quero ver o que acontece!"
                                                
"Eu, é porque sou forte mesmo, porque já passei por tanta coisa nessa vida..."
 
"E, afinal, o que tu quer mesmo?"
 
"Deus é mais, fica aí, parada, nessa lerdeza."
 
"Não, não, não chora não. tem gente olhando, ó!"
 
"Ah, me diz aí qual é essa boquinha de ficar sem trabalhar, que eu também quero."
 
"Por causa da escola? Mas tu é besta mesmo, viu? Vai empurrando, vai!"
 
"Que nada, você é uma pessoa tão querida, vem cá, vem."
 
"Sim, mas tu tem como se sustentar?"
 
"E o médico, ele acha o que?"
 
"Falou com o psiquiatra?"
 
"Falou sobre isso com o psicólogo?"
 
"E o atestado, trouxe? E a xérox?"
 
"Vai passar, entrega nas mãos de Deus, tenha fé!"
 
"Eu também já me senti assim. Acho que todo professor passa por isso."
 
"Casa, emprego, estudou, o que mais tu quer? Não entendo."
 
"Como assim, não quer viver? Ah...se você soubesse o que é a vida..."
 
"Como assim, não quer viver? E você acha que tem esse direito?"
 
"Olha, se tu tivesse namorando, isso não estava acontecendo."
 
"Doença de rico, hein?"
 
"Hum,,,entendi, mas, por que mesmo? O que motivou?"
 
"Por que você não ped eum desvio de função? Ou uma licença sem vencimento?"
 
"Depressão? Ah...(risos)...sei..."
 
"Que nada, Larissa, mete as caras e enfrenta."
 
"É. É isso. Boa sorte na batalha."
 
"E aí, tu tá sumida, tudo bem?"
 
"E aí, só nas farras, hein? Eu vejo no face."
 
"Vai arrumar uma lavagem de roupa suja, tem que ter um problema real para se preocupar."
 
"Não, não tô dizendo que tu é doida não, ôxe!"
 
"Isso é falta de oração."
 
"Mas rapaz, a vida é tão bonita!"
 
"Tá melhor?"
 
" E vai ficar boa, né?"
 
"Qualquer coisa, viu?"
 
"Você? Com isso? Logo você? Nem combina, uma pessoa tão pra cima."
 
"E o outro médico, o que disse?"
 
"Trouxe o laudo? E as receitas?"
 
"Boa tarde, me conta, o que te trouxe aqui?"
 
"Um bom banho de descarrego. Toma pra tu ver!"
 
"Tem certeza que não está pronta para voltar?"
 
"Olha, você é quem sabe. Essa decisão só você pode tomar."
 
É. Eu queria ser forte. Depressão é para os fracos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Um Dom Quixote por um Home Theater, quem topa?

      A propaganda do cinema em casa me parece uma coisa altamente sedutora. Imagens em alta definição, som digital e conforto pleno. Eu sei que é tolice, porém sempre tenho aquela sensação de que o proprietário de um home theater é alguém, por essência, feliz. A comodidade de quem, em casa, está alheio aos conflitos do mundo é um alento fascinante, mas o bendito intervalo entre o que sentimos e o que é real é um problema e persiste. Eu até gostaria, mas não dá para esquecer a minha condição de aventureira ficcional. Até a Bíblia registra: é próprio da condição humana o afeto pela criação. Demiurgos frustrados, desejamos o infinito, embora apenas consigamos nos debruçar em uma janelinha do factual. 
   Não sou cinéfila, confesso, mas a ideia do cinema tem me cativado por esses dias. Sabe quando você pensa que um determinado acontecimento é tão cru(el) que parece mentira? Quando você fica imaginando roteiro e trilha sonora para as indecências da vida.
É assim que eu vejo:
Uma moça, 21 anos.
Um moço, 20 anos.
Uma filha, 04 anos.
Uma outra moça, a loira, idade despercebida.
Uma relação a três sem o consentimento mútuo.
A mãe dele conta.
A moça conhece e resolve empregar o que chama de amor-próprio.
Ele se zanga e zanga com ela.
Ela não tinha o direito de exercer o pecado do próprio amor.
Os bens, a partilha.
Ela, a filha.
Ele, a passagem para São Paulo.
No meio do caminho, um home theater, um celular e um passarinho trocados por uma casa. Ele.
No meio do caminho, uma criança corta o pé no quintal e chora a noite, velando madrugadas de ausências. Ela.
É assim que eu vejo.
     Uma bela história, não? Um bom produto comercial, talvez sucesso de público e de crítica. E se eu acrescento que ela é doméstica e ele tem como profissão a condição de marido de doméstica? E se eu acrescento que ele tinha um home theater mas ela não tinha geladeira? E se eu acescento : eles eram casados.
     O que há de ficcional nisso aí? Na condição de quase sã, consumidora de prozac e afins, venho colecionando repertórios de belas e dolorosas histórias de gente. Gente rica, pobre, asceta, frívola, gorda, magra, religiosa, ateia, tudo junto, porque não há graça se não há contradições. Eu não sei o que significa não ter água gelada em casa. (Ora, estamos no inverno e eu nem bebo água gelada!). Também não sei o que significa ter home theater (Ah, nem televisão eu tenho, quanto mais caixinhas de som pelos cômodos da casa, ideia mais fútil!).
      Final de romance é sempre chato, mas não quero fazer aqui a autópsia dessa relação-roteiro de cinema da moça de 21 com o moço de 20.  Quando senti essa história-estória fiquei lembrando muito de Elis cravando verdades com "As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira na paixão" ("As aparências enganam, composição lindíssima de Tunai e Sérgio Natureza, veja aqui http://www.youtube.com/watch?v=51JSEEoia-Y ). Fiquei pensando nisso, como somos igualmente atraídos pelo que amamos e pelo que odiamos. A essa altura, você já deve, inclusive, ter lembrado daquele ditado popular, comum entre os presumíveis namoricos: "Quem desdenha, quer comprar".
      É isso. Narrar esses moços (pobres moços, se eles soubessem...) fez com que eu me confrontasse com os meus "ódios de estimação" (Roubei de Heloísa Prieto, lindíssima falando sobre Dom Quixote, aqui:  http://www.youtube.com/watch?v=rEdbKEHCvAI)  . Sou mais eu com minhas Dulcineias do que eu sem sentir. Risos. E eu sinto pra caralho, velho! Muitas vezes transito entre a letargia e a letargia, mas quase sempre eu estou é pulsando, on the road na veia ou o velho "ouça no volume máximo" dos discos da Legião. Esses dias, por exemplo, eu passava pela praça do esse, em Itabuna, e avistei um grupo de pós-adolescentes cantando "É só você que tem a cura de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi".
     A gargalhada íntima foi imediata. É sempre engraçado quando temos a oportunidade de nos revisitarmos após 15 anos ou 15 dias ou 15 minutos. E este versinho da Legião, eu particularmente a-d-o-r-o, justamente porque brinca com a dualidade passado-futuro, uma quase obsessão em minha dulce vita. Garçom, um Déjà vu embalado pra viagem, please:
      Ela estava com insônia. Poderia pensar em milhões de coisas, mas o amor é sempre uma opção rentável, afinal as pessas compram revistas de simpatias "amorosas"; consomem novelas, livros e filmes "de amor"; curtem e compartilham textos "sobre o amor" no face...enfim..amor dá dinheiro. Foi por isso - e não por gostar pra caramba daquele cara - que ela pensou em sua "vida amorosa" e daí chegou à conclusão masoquista: no quesito "amor", sua vida se resumia a repertórios de saudade. Assim, no plural, bem brega mesmo. Tudo o que lembrava era pretérito. As viagens. O almoço. O abraço. O sorriso. Tudo pretérito mais-do-que-Imperfeito. E, infelizmente, esta fala não era do seu eu-lírico. Enfim, é adolescente e é brega dizer essas coisas, mas, se ela fosse uma moça inteligente entenderia que isso significaria o término.     
       Mooooço, passa a conta e fecha a régua, que eu acho é graça de tanto amor. E tenho é ódio, lógico. Queria cinema. Queria histórias de amor que durassem mais do que 90 minutos. Queria fogos de artifício, príncipe encantado no cavalo branco, daminhas de bochecha rosada e tudo mais. E outra: em minha casa. Queria em minha casa o romance que aprendi como se fosse meu. E aí, senhoras e senhores, fudeu, né? Não existe. Não existe este romance de cinema porque, na vida real, eu tenho que aceitar a expulsão do Éden e me conformar com os clichês: a criança ainda lamenta o talho no pé, é noite e não há mercúrio-cromo a não ser o tempo.

 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Quanto tempo?

Quanto tempo duram as coisas?
Um poema? 2 minutos para ser feito ou 40 dias de inquietude?
Uma relação sexual? 15 minutos acontecendo ou 1 ano se preparando?
Um mestrado? 2 anos cursando ou 2 anos curando a ressaca acadêmica?
Uma refeição? 3 horas de preparação ou 15 minutos de engolida rápida?
Uma iniciação religiosa? 3 segundos, quando a água toca a fronte ou 3 segundos, quando se nega a vontade de comer carne de porco?
As coisas duram muito, no sentido de intensidade.
As coisas duram muito, no sentido de tempo.
As coisas duram muito, no sentido de importância.
É claro que você está esperando. Eu vou falar.
Uma história de amor? Quanto tempo dura?
Os 4 minutos de encantamento à primeira vista?
Os 2 segundos do primeiro beijo, ainda sem língua?
Os 4 meses de troca de e-mails, posts no face, telefonemas e mensagens no celular antes do encontro primeiro?
Os 57 minutos de realização da cerimônia do casamento?
Os 7 anos antes da famosa crise?
Acho que devo parar por aqui. Não sei quanto tempo dura uma história de amor. Mas sei que toda a minha vida pode ser amor (como é, aliás) e sei que não quero parar na crise. Nem dos 7 anos, nem dos 7 dias, nem dos 7 minutos.
As coisas, eu não sei, mas na minha história de Larissa-pessoa não quero acatar as determinações de Chronos, estou é catando as invenções de Kairós. Assim seja.

sábado, 28 de julho de 2012

Fazemos FaXadas.

Eu trabalho com a imagem e a imagem é nada, sede que é tudo. Sou do tempo do Xou Da Xuxa. Escrevi carta e esperei sorteio. Assisti Caverna do Dragão, Smurfs e Turma da Pesada. Queria ser Lark, a heróina de limousine rosa com piscina. Mais tarde,na hora do almoço, comia sanduíche com os X-Men, após ter rezado a Salve Rainha na Congregação das Irmãs da Sagrada Família. Nas escadas, rezar uma Ave-Maria, para fortalecer a vocação enquanto lembrava da força de Tempestade. Depois foi o tempo das coletividades. Mamonas Urbanas. Toda a sorte de desgarrados, inclusive Xispto, meu amigo imaginário. No dia em que todos filaram aula, nos corredores de Rio Novo, eu fiquei na sala chorando. Que medo das coletividades! Sem masculino, nem feminino, usava as roupas paternas para evocar uma filiação. Havia as madrugadas com cheiro de propagandas e festas. Eu lia Caros Amigos e assistia Otávio Mesquita. O sono. O sono sem fim de quem vê as cores e se emoldura nelas. Acho que sempre soube das movências. Os alicerces do magistério. Palhaço, psicólogo, assistente social, médico, policial,preparador físico, mestre. O que consegui ser?
Eu vivo da imagem. Eu sou essa moça que nunca será a mulher na sala de espera.Cadê o meu lençol sujo de sangue das noites de núpcias? Deveria ter guardado. Ou tirado foto, ao menos. Estes têm sido dias difíceis. Na renovação de minha licença médica, a perícia do INSS indicou, por duas vezes consecutivas, que não tenho "incapacidade laborativa". Eu fiquei confusa. Afinal, estou doente? Tenho algo que realmente me impede de trabalhar como professora?
Eu sou imagem. Recolho cheiros,texturas,movimentos, trilhas sonoras,cores,formas. Escolho o que me cabe e enceno. Sempre espetáculo, né doutora? Sempre a necessidade da persona. Mas eu não estou fingindo um medo de ficar viva ou uma sensibilidade extrema às desigualdades sociais. Eu realmente calculo se a queda será definitiva e realmente não entendo porque é normal essa família que, sem trabalhar com reciclagem,visita todas as noites o lixo do meu condomínio.
A imagem é tudo e sede é nada. Aliás, a gente não quer só comida. O gostosinho de barriga sarada da novela das 7 OU a empresa que pinta em sua fachada: "Fazemos FaXada". O candidato que usa o mesmo nome do pai e tem como slogan "a renovação" OU a moça que usa havaianas pra tirar onda de alternativa da mesma forma que usa um Louboutin para tirar onda de rycah? Qual deles te convence mais? Parabéns para você que consegue viver sem o medo de sair à rua e ter ânsia de choro. Parabéns para você que consegue se equilibrar. Parabéns para você que consegue fazer das imagens um relicário e não uma bula.
Olha, doutora do INSS, eu não sei que imagem eu lhe passo. Eu sei que não lhe apresento uma perna inchada ou um ferimento na cabeça. O que sirvo, neste banquete, é essa confusão de imagens que me atormenta a cabeça a todo instante. É irônico, mas eu, que fui uma péssima aluna em Desenho Geométrico, só penso em como arrumar essas imagens. É como se eu visse o mundo por meio de ângulos. Sempre recortando e entriangulando. Ou enquadrando. Ou encirculando. A Beira-Rio, na quinta à tarde, vai se diminuindo por conta própria, até chegar à esquina em que vejo a sombra da ponte perpendiculando o rio - o ponto extremo da dor. Da mesma maneira, daquelas meninas com farda de escola particular eu só consigo extrair o corte dos cabelos longos e lisos e luzeados. Bem iguais e bem diferentes dos cabelos amarrados daquela moça de short curto que descansa em frente à loja de 1,99 - o ponto extremo da dor.
Eu sou do tempo das imagens. Bem à noitinha, quando vou dormir, fecho os olhos e elas ficam. Sei que não estou de licença médica porque sou preguiçosa. Sei que não quero ganhar dinheiro "no mole". Sei que quero resolver essa situação logo (beeem mais rápido do que a psicóloga acha que consigo, inclusive). A única coisa coisa que não sei é se conseguirei ser, novamente, professora - o ponto extremo do amor.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Os doidos não usam cuecas (eu vi).

(TomZé reúne os meus fragmentos de gente criança e de gente grande) Existe algo assim no teatro, né? "Eles não usam black-tie". Será Gianfrancesco Guarnieri? Nelson Rodrigus? Ou Glauber Rocha, gritando comigo para que eu grite com o mundo? Estou serena hoje. Nada de gritos. "Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?". Não, não estou embarcando nessa de me sentir mal por ser hipócrita. Para viver é preciso. Eu realmente preciso passar pela rua e ignorar aquele homem dormindo ao lado do Banco do Brasil. Eu não posso me chocar porque é meio-dia e ele dorme. Eu não tenho nenhuma responsabilidade se ele está embriagado ou cheirado. Eu não tenho nada a ver com aquele homem a não ser a minha condição feminina. Me Jane, you Tarzan. Ele é um homem e sua masculinidade me afeta porque eu vejo o pênis dele. Quantas vezes eu já vi homens vagando pelas ruas? Os loucos (risos). Os que não estão na nossa sintonia. Os que não penteiam os cabelos, não tomam banho, não pensam na roupa especial daquele primeiro encontro e...principalmente...os que exibem, displicentemente, sua genitália. Ele estava deitado, dormindo, com o zíper aberto e...sem cueca. Achei isso brutal. Porque nós não somos livres. Ninguém venha me alegar democracia e demais princípios liberais que eu não tenho mais paciência para esse lero. Nós temos algusn lampejos de liberdade. Até aí, ok. Mas, mostrar o pênis e a vagina? Isso não. É tabu dos brabo, mas aquele homem (louco?) contrariava este tabu. Nós, homens e mulheres do século XXI, temos uma relação engraçada com a nudez. No carnaval e na praia pode. Na hora de fazer ousadia,deve. Mas...na rua...do nada...se for mulher, é puta; se for homem, é tarado. Essa é uma lógica que classifica o diferente como o bárbaro, não é? Temos medo da invasão do que nos é estranho? Estranho? Billie Jean? Ah fia, conta outra! A nudez (castigada, pra variar!!!) não nos é estranha. No máximo externa, porém nem nisso eu acredito. Minhas convicções estão enraizadas mesmo é nas coisas de toque, calor, carinho, aconchego, cheiro no pescoço. Coisas de corpo. Mas eu deveria ter prestado mais atenção às aulas de Biologia. Raramente consigo entender como pode ser orgânico este estranhamento que sinto de maneira tão nítida, esta tristeza doída que me faz parecer o pequeno príncipe sozinho no deserto. Leio e releio os tratados sobre serotonina, dopamina. Quero saber quais são as coisas que fazem bem. Alimentos que devo ingerir para os tais dos neurotransmissores funcionarem e eu não sentir essa vontade absurda de abandonar o meu sorriso. Eu sou nova ainda. Acabo de fazer 32 anos e da obrigatoriedade de ser feliz... eu tenho medo. Tem gente que tem medo de morrer. Eu tenho medo de ficar viva. Faço um esforço enorme para ignorar a nudez do louco e a minha nudez. A nudez de princípios e a nudez de valores. Poderia ter nascido em outra época? Um canto onde as pessoas se frustrassem menos? Não sei. Sei que não estou sozinha nessa seara de achar uma contradição a nudez do "louco" chocar e a da mulher-fruta vender revista. Mas, mesmo assim, é doloroso ter uma consciência absoluta da perenidade e, ainda assim, ter um ar blasé. Um texto triste e desnorteado, este. Gil fez 70 anos. Me oriento é pela vontade grande de amar. Tá, tudo bem que as estrelas ajudam, mas o meu eixo está sempre pendendo para o desequilíbrio do amor. A merda é que é um amor coletivo. Risos. A merda é que não adianta o prozac, nem os quadrinhos, nem o banho de mar, nem a torta de chocolate. As baixarias cotidianas tem trazido névoas pros meus olhos. Essa coisa de epitáfio. O meu, não tenho dúvidas, é o de ter morrido de amor. Eu pulo ao som de bichos escrotos, mas na hora do “vamovê”, minha dor é piegas. Eu, que tenho a alcunha de doida, a diferente que não quer tchu nem tcha...mesmo sabendo que não estou sozinha...não sei lidar com isso. Este é um texto triste, desnorteado e um pedidor de ajuda. Marromeno como o Marcelo, Marmelo, Martelo. É isso. Não sei mais ser a gente grande que sabe ignorar o homem nu ao lado do banco do Brasil. É isso.